Friday, January 20, 2006

os cabelos emaranhavam-se com o passar do vento, quente, lento, sibilante, junto ao ouvido. o sol queimava a sua pele, já morena e salgada, e dava-lhe um brilho de ouro antigo, tornando-a numa estatua de bronze, numa peça de arte, num mistério.
estava sentada, como tantas outras vezes, na areia húmida da praia, com o olhar perdido na linha do horizonte, pensando em tudo e em nada.
o sol, já do final da manhã, estava quente como já à muito não se lembrava. as finas roupas de seda que trazia vestidas pareciam queimar-lhe a pele, e já tinha aquela sensação de começar ficar com a roupa pegada ao corpo.
não viera à praia para fazer desporto, nadar ou passear, não se conseguia lembrar de como havia ido ali parar, ou o porquê de ali estar. Estava e isso, fazia-a sentir-se bem.
os barcos com velas coloridos eram, por vezes, pontos de distracção do seu pensamento, e os condutores da sua alma. ela fluia com eles e ia, assim como eles, ao sabor do vento e das marés. ia e vinha, virava e rodopiava, mas acabava sempre por voltar a si, acordada por algum grito das crianças que aquela hora se juntavam na praia para construir castelos de areia.
estava calor, e apesar de estarem pessoas na praia, ela sentia-se só, não por estar sozinha, mas por estar vazia. tudo o que lhe haviam dito nos ultimos dias parecia um voz longuinqua, uma voz que falava, e cujas sábias palavras passavam por ela, como se não existisse. fluiam, ao sabor do vento e ao sabor da sua alma, mas não voltavam a si, perdiam-se no eco de alguma parecde, e anos mais tarde reapareceriam com uma entoação mais grave.
sentia-se só, vazia, a sua alma afigurava-se-lhe a uma teia de aranha, feita unicamente para captar presas, a que normalmente chamava dores...
sentia-se a precisar de, também ela, navegar nas marés e rodopiar no vento, sentia que precisava de se libertar e fazer parte de algo.
continuava calor, apesar do vento passar por ela, emaranhando-lhe os cabelos, que tentava pentear com os dedos. sentiu-se uma criança a lutar contra o mundo, sentiu-se fragil e insegura, senti-se ingénua e humana. deu uma gargalhada alta e deitou-se de costas na areia... via agora o profundo mar azul...

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