Thursday, November 10, 2005

“Olhava para o céu, escuro, negro, cor de breu, que não iluminava a fria noite de Inverno que passava e que se aconchegava ao nosso lado, que se deitava nos nossos lençóis e que nos dava um beijo frio de despedida... estava a olhar para o céu numa dessas noites, olhando para as estrelas, pequenos pontos luminosos lá longe, muito longe, que por mais que esticasse a mão continuava sem conseguir atingir... foi numa dessas noites em que a solidão se apodera de nós, mesmo quando estamos acompanhados, que ele morreu sozinho, enquanto eu olhava para o céu...
Ele estava sozinho... Tinha poucos inimigos e ainda menos amigos. Não se lembrava da última vez que tinha passado uma agradável noite na companhia humana. A lareira que mantinha acesa nos 365 dias do ano não o aquecia, pois apesar de provocar uns agradáveis 25º dentro do apartamento, o seu interior continuava vazio e frio, tal caverna de gelo desabitada e abandonada ao esquecimento...
Era naquela melancolia de abandono, esquecimento vazio e frieza profunda, que vivia o seu dia a dia, suportando cada passo como se fosse o seu último e carregando o fardo do seu erro. Errara e sabia-o, carregava aquela sensação de culpa que o acompanhava havia 15 anos, desde o dia em que ela morrera. Desde então nunca mais fora o mesmo. Ela morrera numa noite fria como aquela, numa noite em que por culpa dele alguém entrara na sua casa e lhe matara a sua mulher, a sua vida, o seu tudo. Lera-lhe no funeral aquele poema que ela tanto gostava, e que agora não conseguia ler, ver, sentir...
A culpa era algo medonho, a que não conseguia fugir, a culpa e a solidão. Há 15 anos que ela morrera e que o seu mundo desabara. Ficara sozinho, isolado, cortara relações com os seus amigos e familiares, até mudara de apartamento, tudo isto porque ela era ele e ele ela. Ela morrera... e ele com ela... mas agora, naquela noite tão semelhante à de 15 anos, relembrara-se de tudo e sentia que não tinha opção...
Retirou as brasas da lareira e coloco-as numa braseira, que ela lhe tinha oferecido havia anos, seguidamente fechou as janelas... lembrava-se de ter ligo algures que isso era o método de Inverno...
O ar quente começou a envolve-lo e ficou com sono, olhou uma última vez para o céu negro através do vidro e adormeceu...
Olho agora pelo vidro da minha janela e lembro-me desta história. Ele morreu sozinho, numa noite como esta, em que olho pela janela... morreu sozinho, isolado do mundo, esquecido e abandonado, e dentro de uns anos lançado às brumas do esquecimento... do meu esquecimento. E nessa altura o erro será meu porque me terei esquecido, assim como todo o mundo.”

2 comments:

ni said...

estes dois ultimos posts já tavam feitos há mt mt tempo. por acaso tava a fezer limpeza ao pc e encontrei-os! por isso aki vao mais umas histórias meias maradas !!! =op

PelaMinhaParte said...

Cada vez que leio algo teu, acho que estás a escrever melhor. Não pares. Parabéns.

(UmaDasPartes)